segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Pão, maionese e rúcula.


Hoje, dia 27 de dezembro, estou em Lumiar distrito de Nova Friburgo, estou sozinho, o que já é de costume ultimamente. Por ter passado um fim de semana tenso, afinal foi natal, resolvi correr. Embora estivesse chovendo aproveitei o momento de fraqueza dos céus e fui me alongar para este feito, o que não durou nem dois minutos. Estava sem camisa uma bermuda da feirinha e tênis, sabia que faltava algo, foi quando olhei para os meus óculos do Godard (escreva Godard no Google) e pensei: É o que faltava, me protege da possível chuva e da claridade do dia.

Corri em direção ao centro de Lumiar, até um pouco rápido demais para quem não estava aquecido. Desci o asfalto e cheguei ao paralelepípedo, vulgo “paralelo” estava compenetrado e com o pensamento focado a respiração e na saúde, mas com os charmosos óculos do Godard, não tinha corrida que não se rendesse a uma essência cinematográfica. Passei por trás da cidade e fui até a estrada Mury – Lumiar, com a intenção de fazer a “big rosca” indo para Benfica e depois estrada de são Pedro da serra, que é um costume de uns amigos daqui, onde o objetivo é andar e voltar ao mesmo lugar, só para bater papo e observar a natureza. Na entrada pensei que seria melhor me manter no asfalto e não no barro, então segui direto e não entrei, peguei a estrada serra – mar e fui sentido encontros dos rios.

Quando estava por passar no poço da pedra riscada, aquele que o proprietário fechou, decidi por voltar. Como fiz a volta em frente ao cemitério sem parar de correr, de um jeito bem particular, por não saber o certo, cumprimentei respeitosamente seu João caveira e voltei para o centro de Lumiar. A cada carro que passava por mim, embora exausto, mantinha a pose, afinal estava usando meus charmosos óculos do Godard e não queria decepcionar aqueles observadores.

Pronto, cheguei a Lumiar, como estava morto e desidratado fui para a padaria que era o único estabelecimento aberto, achei um roubo cobrar R$ 2,50 em 1,5L de água, mas comprei e com toda a prepotência de quem é saudável, levantei os óculos do Godard a cabeça e bebi da água natural, exaltando em mim um ar de superioridade por estar bebendo água depois de ter feito exercício.

Sentado nas escadas em frente à praça, descansei, sentindo o suor escorrer e de goladas em goladas bebi aproximadamente 1,2L. Ao reparar que a chuva cairia logo, segui meu caminho para casa, sabendo de onde ela viria e que certamente me alcançaria. Foi quando, ainda nos paralelos idealizei um plano, seria um plano fechado , quando as primeiras gotas caíssem em meu rosto seco, desceria os charmosos óculos que se molhariam escondendo e protegendo meus olhos. Perguntei-me, onde está meu caderno de anotações? Será que deveria ter um?

Foi exatamente o que fiz. Quando as primeiras e calmas gotas começaram a cair, senti frio por instantes, meu corpo se arrepiou em seguida me adaptei a temperatura. Caminhando lentamente, confortável por estar tomando aquele banho, lá eu estava com meus tênis, minha bermuda da feirinha, meus charmosos e agora embaçados óculos do Godard e minha garrafa d água que agora pesava mais no estomago do que nas mãos. Era um blazer total, um sentimento de euforia calma, é como se estivesse num filme, ouvia música, sentia a textura da película no meu visionar, enquanto caminhava pelo asfalto depois dos paralelos tudo isso acontecia; as pessoas com seus exuberantes guarda-chuvas transitavam com uma pressa que ali, não me contaminaria, estava em êxtase.

Aquele estado se manteve, mas cheguei ao topo da ladeira, foi como acordar de um sonho bom, a vitrola parou de tocar, senti uma contração visceral, foi súbito. O sonho acabou e eu só me perguntava: Será que vai dar tempo? Lembrei de uns vídeos de internet onde acontece o mesmo com algumas pessoas; quando percebi que não daria tempo, comecei a correr, e se antes corria por prazer agora era por desespero. Com os óculos embaçados não enxergava muito, a todo o momento pensava na frase “—Não desiste soldado, não desiste!”

Entrei na rua onde moro, não enxergava nada, o filme acabara ali, tirei os charmosos óculos, na situação em que me encontrava, não mais os queria. Corri o máximo que pude, pegando um atalho pela mata. Com a mesma frase na cabeça subi a rua, pensando: No mínimo, que seja dentro de casa.

Abri o portão, faltava a porta de casa. Chegando à varanda instintivamente, como não precisaria dela naquele momento, minha mão soltou a garrafa d água, peguei a chave no lugar secreto e em um desespero decisivo entrei em casa chegando ao meu objetivo, o banheiro. Estava totalmente ofegante, a endorfina liberada pelo correr de desespero e o alívio de ter me lançado ao vaso me deixaram sim em êxtase. Estando em paz e em casa sentado no meu banheiro, saquei os charmosos óculos do Godard de minha cabeça, pendurei – os na maçaneta da porta e olhando para os óculos molhado de chuva e suor, percebi, o filme acabara aqui.